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terça-feira, 4 de agosto de 2009

O PUXA-SACO De gênero variável, substantivo próprio e nunca sujeito indeterminado, o puxa-saco é um chiclete Adams que gruda no camarada e dele não sai mais. Isto é, desde que o "objeto" de sua farisaica veneração não venha a trincar ou a falir. No primeiro caso, ele fará uma abissal e metódica análise das reais possibilidades da pessoa venerada restabelecer o seu antigo padrão monetário. Para tanto, além de consultar piedosa e sofregamente o Oráculo de Delfos, fará uso de todos os artifícios matemáticos disponíveis, incluindo o valor de Pi, as inúmeras aplicações do Teorema de Pitágoras e de seletos cálculos de probabilidades descartianas. Se a resposta a tal exaustiva neuronal indagação for afirmativa, ele continuará sabujamente lambendo as botas do patrão. Todavia se a última hipótese prevalecer, ele afastar-se-á do coitado do indivíduo mais rápido do que o diabo, de muletas, conseguiria fugir da cruz. Talvez o medo de ambos, dele e de Belzebu, quem sabe, seja equivalente.

Tipo horripilante, subserviente, fuinha, o puxa-saco está sempre à espreita para agradar o chefe. Não mede esforços para paparicá-lo. Se necessário for, vai ao Pólo Sul, de jumento, desprovido de farnel e sem agasalho algum, para demonstrar sua canina e devota fidelidade. Tudo faz obviamente em proveito próprio e, por não ter dignidade e ética, não liga a mínima para o ridículo de sua condição. Nas situações mais vexatórias, naquelas que qualquer reles mortal gostaria de sumir, de parecer uma avestruz e esconder temporariamente a cabeça num buraco ou evaporar-se num átimo de segundo, ele, ao contrário, sente-se confortavelmente bem, não lhe importando os comentários maliciosos que a distinta platéia brindará seus atos. Não! E para não deixar dúvidas quanto a isto, ele, nesses momentos especiais, estufa o peito, aspirar o ar a plenos pulmões, ri um sorriso maroto de hiena no cio, curva-se infinitas vezes, como bambu ao vento norte, fazendo salamaleques robotizados, até que, finalmente, coloca-se, todo inflado, bem junto do boss.

Dizem que o puxa-saco é uma instituição puramente brasileira. A bem da verdade, tais críticos estão cometendo, minimamente, um exagero histórico. Em todas as épocas, tal vampiro social infelizmente sempre deu o ar de sua graça. Nas Cortes Européias, por exemplo, e mais robustamente na Corte Portuguesa, tais tipos eram encontrados aos montes, seja nos corredores palacianos ou nas urbes ainda imberbes, fazendo extensas apologias ao Rei, arautos do paroxismo, pegando abaixo-assinados de súditos sofredores e incautos, onde se afirmava, de forma eloqüente, de que aquele tirano cruel e desmiolado de plantão era verdadeiramente um ser divino, sem mácula alguma, tão puro como as neves dos Pirineus - e imortal. (Ah! A imortalidade! O que os homens, particularmente aqueles de neurônios desprovidos de brilho e vigor próprios, não fazem para tê-la, meu Deus?).

Da imundície da lama que este ser abjeto foi forjado, nada há de mais espúrio e ignóbil. Nada transcende a degradação a que se submete como pessoa. Mas lhe perguntem o que acham disso. Certamente rirá. E, com a cara mais lavada do mundo, dirá que tudo isto é besteira e intriga da oposição.

O puxa-saco é uma avis rara. Volátil, evapora-se e some quando a pessoa que venerava faliu ou deixou o poder. Aí, ele transmuta-se e vai reaparecer em grande estilo perto de um outro humano otário, perdão, digo, idiota, que detenha alguma autoridade ou que possua bens e muito money, algo que, diga-se de passagem, sempre favorece a sua escolha.

Há puxa-sacos dos mais variados matizes e feitios: o imperial, o bobo da corte, o pau-mandado, o para-toda-obra, o cururu, o imbecil, o janota, o chulé... São tantas e diversas tais criaturas que eu teria que gastar todo o Aurélio - e a paciência sua, caro leitor, citando-os. Destarte, com a gentil anuência de vocês, vou poupá-los. Os demais que não aparecem nesta extensa lista, falaremos deles em tempo oportuno.

A única cidade que eu conheço que jamais teve e não tem nenhum puxa-saco é Camocim! Não acredita? Aqui, graças a Deus, as coisas correm dentro da normalidade. Ninguém precisa babar pretensos e pseudomaiorais, arrogantes e prepotentes, que olham o povo de esguelha, de cima para baixo, para arranjar um emprego para o qual todos sabem que não tem a mínima competência. Isso não! Aqui, não! Também não há alienígenas espertos, bem falantes, com alguns trejeitos, é certo, que gostam da boa vida e fazem de tudo - tudo mesmo - para galgar alguns degraus junto ao trono e destes não se afastam nem que uma tsunami, dessas adolescentes, de cerca de novecentos metros de altura, varra tudo à sua volta, reduzindo a escombros o que vê pela frente. Ah! Claro que não! Tal qual a Colunata de Herodes, abalada por mil terremotos, manter-se-ão de pé custe o que custar.

É, companheiros! Ce la vie!

... E para aqueles tiranos de meia-tigela que povoam as instituições públicas desse país, encontrados em todas as direções da Rosa dos Ventos, mais precisamente na Terra de José de Alencar, inclusive na Terra dos Tremembé, desde chefetes de meia pataca que pululam serelepes nas repartições até os bestas-feras de maior galardão (a maioria é tão inteligente quanto um asno novinho em folha) que pensam que o poder é infinito, infernizando a vida dos que não participam da suja e mal-cheirosa "panelinha agaciana", onde gatos siameses e puxa-sacos se confundem, massacram e perseguem e ditam regras absurdas, colocando às costas de trabalhadores pesos que eles nem em setenta reencarnações seguidas tocariam, ironizando as desgraças da ralé, onde eu humildemente incluo-me, um insignificante lembrete: A roda da vida ascende, é certo, mas também, cedo ou tarde, ela obrigatoriamente desce...

AVELAR SANTOS

A/S CAMOCIM - CE (CRÔNICA PUBLICADA EM “O LITERÁRIO”, ANO IX, EDIÇÃO 02)

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EU SOU SIMPLESMENTE LINA.

PRECONCEITO

MEUS AMIGOS Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila. Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante. A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos. Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo. Deles não quero resposta, quero meu avesso. Que me tragam dúvidas e angústias e agüentem o que há de pior em mim. Para isso, só sendo louco. Quero os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças. Escolho meus amigos pela alma lavada e pela cara exposta. Não quero só o ombro e o colo, quero também sua maior alegria. Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto. Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade. Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos. Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça. Não quero amigos adultos nem chatos. Quero-os metade infância e outra metade velhice! Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto; e velhos, para que nunca tenham pressa. Tenho amigos para saber quem eu sou. Pois os vendo loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que "normalidade" é uma ilusão imbecil e estéril. Oscar Wilde