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segunda-feira, 10 de novembro de 2008

A rotina das modelos

Postado por Paulo Coelho em 10 de Novembro de 2008 às 00:14

Para escrever o livro “O vencedor está só”, cujo tema central é o culto das celebridades, precisei fazer uma interessante pesquisa sobre a rotina daquelas que habitam o imaginário coletivo: a modelo fotográfica. Por mais diferentes que sejam, existe um invariável padrão de comportamento que reproduzo aqui:

A] antes de dormir, usam vários cremes para limpar os poros e conservar a pele hidratada – viciando desde cedo o organismo à dependência de elementos externos. Acordam, tomam uma xícara de café preto, sem açúcar, acompanhada de frutas com fibras – de modo que os alimentos que vão ingerir durante o dia passem rapidamente pelos intestinos. Sobem na balança três a quatro vezes por dia; entram em depressão por causa de cada grama a mais que o ponteiro acusa.

B] Todas estão conscientes de que em breve serão ultrapassadas por novos rostos, novas tendências, e precisam urgentemente mostrar que o talento vai além das passarelas. Vivem pedindo às suas agências que consigam um teste, de modo que possam mostrar que são capazes de trabalhar como atrizes – o grande sonho.

C] Ao contrário do que diz a lenda, pagam suas despesas – passagem, hotel, e as saladas de sempre. São convocadas pelos assistentes de estilistas para fazer o que chamam de casting, a seleção das que serão escolhidas para enfrentar a passarela ou a sessão de fotos. Neste momento, estão diante de pessoas invariavelmente mal-humoradas que usam o pouco poder que têm para extravasar as frustrações diárias, e jamais dizem uma palavra gentil ou encorajadora: “horrível” é geralmente o comentário mais escutado.

D] Seus pais se orgulham da filha que começou tão bem, e se arrependem de terem comentado que eram contra aquela carreira – afinal de contas, estão ganhando dinheiro e ajudando a família. Seus namorados têm crises de ciúmes, mas se controlam, porque faz bem ao ego estar com uma profissional da moda. Suas amigas as invejam secretamente ou abertamente.

E] Freqüentam todas as festas para que são chamadas, e se comportam como se fossem muito mais importantes do que são, um sintoma de insegurança. Ali estão sempre com um copo de champanhe nas mãos, mas isso é apenas parte da imagem que desejam passar. Sabem que o álcool tem elementos que pode afetar o peso, de modo que a bebida preferida é água mineral sem gás – o gás, embora não afete o peso, tem conseqüências imediatas sobre o contorno do estômago.

G] Dormem mal por causa dos comprimidos. Escutam histórias sobre anorexia – a doença mais comum no meio, uma espécie de distúrbio nervoso causado pela obsessão com o peso e com a aparência, que termina educando o organismo a rejeitar qualquer tipo de alimento. Dizem que isso não acontecerá com elas. Mas nunca notam quando os primeiros sintomas se instalam.

H] Saíram da infância diretamente para o mundo do luxo e glamour, sem passarem pela adolescência e juventude. Quando lhes perguntam quais os planos para o futuro, têm sempre a resposta na ponta da língua: “faculdade de filosofia. Estou aqui apenas para poder pagar meus estudos”. Sabem que não é verdade. Não podem se dar ao luxo de freqüentar uma escola – há sempre um teste pela manhã, uma sessão de fotos à tarde, uma festa em que precisam estar presentes para serem vistas, admiradas, desejadas.

As pessoas acham que vivem uma vida de contos de fada. E elas querem acreditar nisso. Até que um escritor mais curioso resolve não desistir, e ir adiante nas perguntas. Depois de muita hesitação, terminam dizendo: “nasci para ser atriz. Portanto, sou capaz de fingir que esta miséria é a profissão mais glamourosa do mundo”.

Paulo Coelho

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EU SOU SIMPLESMENTE LINA.

PRECONCEITO

MEUS AMIGOS Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila. Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante. A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos. Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo. Deles não quero resposta, quero meu avesso. Que me tragam dúvidas e angústias e agüentem o que há de pior em mim. Para isso, só sendo louco. Quero os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças. Escolho meus amigos pela alma lavada e pela cara exposta. Não quero só o ombro e o colo, quero também sua maior alegria. Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto. Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade. Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos. Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça. Não quero amigos adultos nem chatos. Quero-os metade infância e outra metade velhice! Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto; e velhos, para que nunca tenham pressa. Tenho amigos para saber quem eu sou. Pois os vendo loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que "normalidade" é uma ilusão imbecil e estéril. Oscar Wilde