O sapato como meio e mensagem
22 de dezembro de 2008
Este surpreendente ano de 2008 encerra-se de forma ainda mais inusitada. Talvez venha a ser considerado no futuro como o Ano da Verdade, se as revelações e desvendamentos prosseguirem com a mesma intensidade em todas as direções.
Caíram por terra as promessas, ilusões, quimeras políticas, filosóficas e religiosas. Está ruindo o imbatível e infalível Sr. Mercado cuja sabedoria e engenho eram vendidos há 200 anos como panacéia para todos os males. A natureza humana, artífice de tantas falcatruas, mostrou cabalmente o quanto é mesquinha e até que ponto está corrompida.
No sacolejo global, na vizinhança da antiga Babilônia – lá mesmo onde os homens pretendiam construir a imensa torre para chegar aos céus e impor-se ao Todo Poderoso – chega uma parábola rude e simples. Como todas. Um jornalista revoltado arvora-se em porta-voz do mundo e resolve castigar aquele que considera como culpado pelas maldições que afligem o seu país.
Ao contrário de tantos correligionários, não pretende imolar-se nem derramar uma gota de sangue. Quer mostrar a sua repulsa e escolhe a mais imunda extensão do corpo, aquela que pisa o chão e convive diretamente com a sujeira: o sapato.
O repórter iraquiano Muntazer al-Zaidi tinha à disposição a imagem, o som, o papel e a palavra. Abriu mão do jornalismo, da imprensa, do manual da redação e dos códigos de conduta para inventar o sapato como veículo de comunicação. Louvado seja: lá onde os homens-bomba proclamam diariamente o seu horror à vida, al Zaidi, fez do calçado uma ação afirmativa.
O presidente Lula, preferiu a chacota, falou em chulé no meio de uma reunião de chefes de estado sul-americanos e caribenhos, não percebeu o sentido e o alcance da inovação introduzida por al-Zaidi. Marshall McLuahn, o grande teórico da comunicação moderna, não contava com essa: o sapato é o meio e a mensagem.
Estadistas não devem mais temer atentados terroristas, porém não há equipamento confiável nem guarda-costas capazes de evitar que um sapato – ou tênis, sandália, chinelo, bota, com sola de borracha ou salto 12 – seja jogado nas fuças de um presidente mentiroso ou cínico.
Raul Castro, com o seu ar de general de pijama, candidata-se a alvo da segunda sapatada: a proposta feita em Brasília para a troca dos "dissidentes" presos em seu país pelos cinco espiões ("heróis", segundo ele) presos nos EUA, é indecente.
Os dissidentes cubanos são na verdade ativistas de direitos humanos, não pretendiam tomar o poder, não pretendiam sair do país, queriam melhorá-lo, lutavam pela liberdade. A mesma, aliás, pela qual lutaram os dissidentes de 1958 – os irmãos Castro, Che Guevara, Camilo Cienfuegos e tantos outros.
Sapatada merece o presidente do Senado, Garibaldi Alves, como castigo pela espúria manobra de aprovar de madrugada a emenda constitucional que cria mais 7.343 vagas de vereadores sob o pretexto de aumentar a representatividade do cidadão. Em plena crise mundial, diante da real ameaça de uma brutal recessão, quando cada tostão deve ser investido em crescimento, o chefe do Poder Legislativo não tem pudor em assumir o seu incontrolável e entranhado coronelismo. Com estas credenciais pretende driblar a constituição e candidatar-se novamente à presidência da Câmara Alta.
Candidato a receber um protesto modelo al-Zaidi é o governador de Minas Gerais, Aécio Neves, homem-enguia que escapole de todas as crises e emergências em seu estado. As fotos de Divinópolis publicadas nesta sexta-feira mostram um rio caudaloso, ondas revoltas, dilúvio bíblico: 41 municípios em estado de emergência, doze mortos, 23 mil desabrigados, 13 mil casas danificadas e o homem não aparece, mesmo encarapitado num helicóptero. Não é com ele, nunca é com ele.
A fila é grande, depois de Bush al-Zaidi necessitaria de um formidável estoque de sapatos para veicular sua indignação. O sapato como veículo de comunicação pode apressar o fim do jornal impresso, pode ser mais instantâneo do que a Internet, mais eficaz do que comícios. Estamos diante de um momento mágico em que o ser humano redescobriu o poder de dizer o essencial.
Alberto Dines
LICHAVES Basta ser sincero e desejar profundo,você é capaz de sacudir o mundo!!! Tente...
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domingo, 28 de dezembro de 2008
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EU SOU SIMPLESMENTE LINA.
PRECONCEITO
MEUS AMIGOS
Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila.
Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.
A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos.
Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo.
Deles não quero resposta, quero meu avesso.
Que me tragam dúvidas e angústias e agüentem o que há de pior em mim.
Para isso, só sendo louco.
Quero os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças.
Escolho meus amigos pela alma lavada e pela cara exposta.
Não quero só o ombro e o colo, quero também sua maior alegria.
Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto.
Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade.
Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos.
Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça.
Não quero amigos adultos nem chatos.
Quero-os metade infância e outra metade velhice!
Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto; e velhos, para que nunca tenham pressa.
Tenho amigos para saber quem eu sou.
Pois os vendo loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que "normalidade" é uma ilusão imbecil e estéril.
Oscar Wilde
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